Nem eu podia imaginar como estava certo, pois Polein, apresentado no tribunal como homem honesto e de folha limpa, foi preso e condenado alguns anos mais tarde por tráfico de cocaína.
O advogado Hubert procura defender-me mas não está à altura do promotor. Somente o Dr. Bouffay consegue, graças à sua calorosa indignação, manter em xeque por alguns instantes o promotor. Infelizmente, isso dura pouco e a habilidade de Pradel leva a melhor nesse duelo. Além disso, ele adula os jurados, já cheios de orgulho por estarem sendo tratados, por aquele impressionante personagem, como iguais e colaboradores.
Às 11 horas da noite termina a partida de xadrez. Meus defensores estão em xeque-mate. Eu, inocente, sou condenado.
A sociedade francesa, representada pelo promotor geral Pradel, acaba de eliminar, por toda a vida, um moço de 25 anos. E sem qualquer constrangimento. O prato bem cheio me é apresentado pela voz fria do presidente Bevin.
– Acusado, levante-se.
Levanto-me. Silêncio total no recinto, respirações suspensas. Meu coração bate um pouco mais depressa. Os jurados olham para mim ou abaixam a cabeça; parecem estar envergonhados.
– Acusado, já que os jurados responderam “sim” a todas as perguntas menos uma, a da premeditação, você está condenado à pena de prisão perpétua com trabalhos forçados. Tem alguma coisa a dizer?
Mantenho-me calmo, minha atitude é normal, apenas aperto com mais força a barra do banco dos réus.
– Sim, senhor presidente, tenho a dizer que sou inocente e que sou vítima de uma trama policial.
Do canto das senhoras elegantes, convidadas, de categoria, sentadas atrás da corte, chega um murmúrio aos meus ouvidos. Exclamo, em voz controlada:
– Silêncio, mulheres cheias de jóias que vêm aqui para gozar emoções mórbidas. A farsa terminou. Um homicídio foi solucionado pela sua polícia e sua Justiça; vocês, então, devem estar satisfeitas!
– Guardas – diz o presidente -, levem o condenado.
Antes de sumir, ouço uma voz que grita:
– Não ligue, meu homem, eu irei lá buscar você.
É a minha Nénette, boa e valente, que reafirma o seu amor.
Os homens do meu ambiente que estão na sala aplaudem. Eles conhecem muito bem a história desse caso e assim demonstram que estão orgulhosos de mim por eu não ter “dado o serviço” nem denunciado ninguém.
De volta à sala onde nos achávamos antes do início dos debates, os guardas colocam-me as algemas e um deles ajusta uma corrente entre o meu pulso direito e o seu pulso esquerdo. Nem uma palavra. Peço um cigarro. O sargento me dá um. Cada vez que o ponho ou tiro da boca, o guarda tem de levantar ou abaixar o braço, para acompanhar o movimento.
Fumo, de pé, mais ou menos os três quartos do cigarro. Ninguém diz nada. Eu é que olho para o sargento e digo: “Vamos”.
Descendo as escadas, escoltado por uns doze guardas, chego ao pátio interno do Palácio. A “viúva alegre” lá está à nossa espera. Não tem divisões internas. Todos se sentam juntos nós bancos, mais ou menos dez pessoas. O sargento dá a ordem: “Conciergerie”.
Quando chegamos ao último castelo, que foi de Maria Antonieta, os guardas me entregam ao chefe da guarda, que passa recibo. Vão embora sem dizer nada, mas antes, para minha surpresa, o sargento me aperta as duas mãos algemadas.
O guarda-chefe pergunta:
– Quanto te lascaram?
– Prisão perpétua.
– Não é possível!
Olha para os guardas e compreende que é verdade. Esse carcereiro de cinqüenta anos, que viu tantas coisas e conhece muito bem o meu caso, me diz estas boas palavras:
– Olhe, que sujos! Mas eles estão loucos!
Com bons modos, tira-me as algemas e tem a gentileza de levar-me pessoalmente a uma cela de paredes estofadas, especialmente preparada para os condenados à morte, os loucos, os muito perigosos ou os condenados à prisão perpétua.
– Coragem, Papillon -, diz ele, fechando a porta atrás de mim. – Vou mandar algumas roupas e a comida que você tinha na outra cela. Coragem!
– Obrigado, chefe. Creia, tenho coragem e acho que minha prisão perpétua ficará atravessada na garganta deles.
Alguns minutos depois, ouço um arranhado na porta.
– O que é?
Uma voz responde:
– Não é nada. Estou só pendurando um cartão.
– Por quê? O que está escrito nele?
– “Trabalhos forçados perpétuos. Vigiar atentamente.”
Eu penso: “Eles são mesmo loucos. Acreditam, por acaso, que o choque da avalancha que caiu sobre minha cabeça pode me perturbar e me levar ao suicídio? Sou e serei corajoso. Lutarei contra tudo e contra todos. A partir de amanhã começarei a agir”.
Na manhã seguinte, tomando meu café, perguntei a mim mesmo: “Vou apelar? Por quê? Terei mais sorte diante de outro tribunal? E quanto tempo vou perder com isso? Um ano, talvez dezoito meses… e para quê? Para receber vinte anos em vez da perpétua?”
Como estou bem decidido a escapar, o prazo não importa. Lembro-me da frase de um condenado que perguntou ao presidente do tribunal: “Doutor, quanto tempo dura a prisão perpétua na França?”
Caminho sem parar em volta da minha cela. Mandei um telegrama à minha mulher para consolá-la, e outro a uma irmã que procurou defender-me, sozinha, contra todos.
Cai o pano, é o fim da peça. Os meus devem estar sofrendo mais do que eu, e meu pobre pai, no fundo da sua província, deve sofrer muito para carregar uma cruz tão pesada.
Tenho um sobressalto: mas afinal, eu sou inocente! Sou, mas para quem? Sim, para quem sou inocente? Digo para mim mesmo: “Sobretudo, nunca se divirta contando que é inocente, todo mundo iria dar risada. Pegar prisão perpétua por causa de um rufião e, ainda por cima dizer que foi outro quem o matou, seria muito gozado! O melhor é calar a boca”.
Como jamais durante a minha prisão preventiva, tanto na Santé como na Conciergerie, eu tinha imaginado receber uma condenação tão pesada, nunca tinha me preocupado em saber o que poderia ser o “caminho da podridão”.
Muito bem. A primeira coisa a fazer: entrar em contato com homens já condenados, capazes, no futuro, de serem companheiros de fuga.
Escolhi um sujeito de Marselha, chamado Dega. Iria certamente encontrá-lo no barbeiro. Ele vai todo dia fazer a barba. Peço licença para ir lá também. De fato, quando chego, eu o encontro, encostado na parede. Vejo-o justamente quando ele, disfarçadamente, faz passar um outro à sua frente, a fim de poder ficar mais tempo esperando. Coloco-me ao seu lado, afastando um outro sujeito. Murmuro rapidamente:
– Então, Dega, como vão as coisas?
– Vão indo, Papi. Peguei quinze anos, e você? Me disseram que te salgaram direitinho.
– Sim. Peguei a perpétua.
– Você vai apelar?
– Não. O que é preciso é comer bem e fazer cultura física. Conserve as forças, Dega, porque certamente precisaremos ter bons músculos. Você está “carregado”?
– Sim, tenho dez “sacos” (*) em libras esterlinas. E você?
(*) 10 000 francos de 1932 ou seja, cerca de 5 000 de 1969 (mais ou menos NCr$ 3 800,00).
– Um bom conselho: “carrega” logo. Teu advogado é o Hubert? É uma besta, ele nunca lhe vai entregar o “canudo”. Manda a sua mulher com o “canudo” carregado procurar o Dante. Ela que o entregue a Domingos, o Rico, e eu garanto que ele chegará até você.
– Cuidado, o guarda está olhando.
– Então, aproveitando para conversar? – diz o guarda.
– Não é nada – responde Dega. – Ele está me dizendo que está doente.
– Que é que ele tem? Uma indigestão de grades? – O gordo carcereiro cai na gargalhada.
Essa é a vida. Já estou no “caminho da podridão”. Eles morrem de rir, gozando da desgraça de um moço de 25 anos condenado por toda a vida.
E recebi o “canudo”. É um tubo de alumínio, cuidadosamente polido, que se abre desenroscando-se pelo meio. Tem uma rosca macho e uma fêmea. Contém 5 600 francos em notas novas. Quando me é entregue, beijo esse tubo de 6 centímetros de comprimento, da espessura do polegar; sim, beijo-o antes de colocá-lo no ânus. Respiro forte para fazê-lo subir ao cólon. É o meu cofre. Podem me deixar pelado, me abrir as pernas, me fazer tossir, dobrar em dois, ninguém descobrirá se tenho alguma coisa escondida. Ele subiu bem para cima, entrou no intestino grosso. Faz parte de mim mesmo. É a minha vida, a minha liberdade que trago comigo… é o caminho da vingança, pois eu penso sempre em me vingar! Aliás, só penso nisso.