– Atenção. Para a frente, com a graça de Deus!

– Com a graça de Deus – repete Clousiot.

– Em tuas mãos eu me entrego – diz Maturette.

E arrancamos. Ao mesmo tempo, puxamos a água com os remos; eu afundo bastante e puxo, Maturette também. Afastamo-nos facilmente. Não estamos nem 20 metros da margem e já descemos 100 com a correnteza. De repente, o vento se faz sentir e nos carrega para o meio do rio.

– Ice o traquete e o cutelo, bem amarrados os dois!

O vento os enche, o barco empina como um cavalo e voa como uma flecha. Deve ser mais tarde que a hora combinada porque, de uma hora para outra, o rio se ilumina como em pleno dia. Distinguem-se facilmente, a uns 2 quilômetros, a costa francesa à nossa direita, e a 1 quilômetro, à esquerda, a costa holandesa. Na nossa frente, bem visíveis, os carneiros brancos da crista das ondas.

– Diabo! Erramos a hora – diz Clousiot. – Você acha que vai dar tempo de a gente sair?

– Não sei.

– Olhe como as ondas do mar são altas e as cristas brancas! Será que o refluxo já começou?

– Impossível, vejo coisas descendo.

Maturette diz:

– Não vamos conseguir sair, não vamos chegar a tempo.

– Cale a boca e fique sentado do lado das cordas do cutelo e do traquete. Você também, Clousiot, cala a boca!

Pan-inh… Pan-inh… Tiros de carabina são disparados contra a gente. O segundo, localizei claramente. Não são dos guardas, vêm da Guiana Holandesa. Iço a vela, que incha com tanta força, que por pouco não me arrasta, puxando-me pelo pulso. O barco está inclinado a mais de 45 graus. Pego vento o mais possível, não é difícil, tem vento demais. Pan-inh, pan-inh, pan-inh, depois mais nada. Somos carregados mais para o lado francês que para o holandês, certamente por isso que os tiros pararam.

Navegamos a uma velocidade vertiginosa, com um vento desenfreado. Vamos tão depressa, que me vejo lançado no meio do estuário, de tal forma que em poucos minutos vou tocar a margem francesa. Enxergam-se claramente uns homens correndo em direção à margem. Viro suavemente de bordo, o mais suavemente possível, puxando com todas as minhas forças a corda da vela. Ela está reta à minha frente, o cutelo mudou sozinho de bordo e o traquete também. O barco vira de três quartos, solto a vela e saímos do estuário com todo o vento por trás. Ufa! aí está! Dez minutos depois, a primeira onda do mar tenta barrar-nos a passagem; passamos facilmente por cima dela e o chua-chuá que o barco fazia no rio transforma-se em tac-i-tac-i-tac. Atravessamos mesmo ondas altas com a facilidade de um garoto que pula barreira. Tac-i-tac, o barco sobe e desce as ondas sem vibrar nem sacudir. Só o tac do casco, que bate no mar, caindo da onda.

– Hurra! Hurra! Saímos – grita Clousiot a plenos pulmões.

E, para iluminar a vitória da nossa energia sobre os elementos, o bom Deus nos manda um nascer do sol deslumbrante. As ondas se sucedem, todas com o mesmo ritmo. Diminuem de altura à medida que penetramos no mar. A água é suja, lamacenta. Na frente, ao norte, ela está negra, mais tarde vai ficar azul. Não preciso olhar minha bússola: com o sol no meu ombro direito, sigo reto, com todo o vento, mas o barco menos inclinado, porque deixei a corda da vela correr e ela se enfunou pela metade, sem ficar completamente estendida. Começamos a grande aventura.

Clousiot se levanta. Quer pôr a cabeça e o corpo para fora, a fim de ver melhor. Maturette vai ajudá-lo a se ajeitar, coloca-o sentado na minha frente, as costas apoiadas no tonel; faz um cigarro para mim, acende-o, passa-o e fumamos os três.

– Passe para cá a garrafa, para comemorarmos a partida – diz Clousiot.

Maturette põe um bom gole em três canecas de lata e bebemos. Maturette está sentado ao meu lado, à minha esquerda. Nós nos olhamos: seus rostos estão iluminados de felicidade, o meu deve estar também. Então, Clousiot diz:

– Capitão, aonde o senhor vai, por favor?

– Para a Colômbia, se Deus quiser.

– Deus vai querer, que diabo! – diz Clousiot.

O sol vai subindo rapidamente e não demora a nos secar. A camisa do hospital se transforma num capuz à maneira árabe. Molhada, ela refresca a cabeça e evita que soframos uma insolação. O mar está de um azul cor de opala, as ondas são de 3 metros e muito longas, o que ajuda a viajar confortavelmente. O vento se mantém forte e nos afasta depressa da costa, que, de vez em quando, vejo, esboçada no horizonte. Essa massa verde, quanto mais nos afastamos, mais nos revela os segredos de seu rendilhado. Viro-me para olhar atrás de mim, mas uma onda mal cortada chama-me à obrigação e também à responsabilidade de resguardar a vida dos meus companheiros e a minha.

– Vou cozinhar um pouco de arroz – diz Maturette.

– Eu seguro o fogareiro – diz Clousiot – e você a panela.

O botijão de querosene está colocado bem na frente, para evitar a fumaça. O arroz feito na gordura tem um gosto muito bom. Comemos o arroz bem quente, misturado com duas latas de sardinhas. Em cima disso, um bom café. “Um gole de rum?” Eu recuso, faz muito calor. Além disso, não sou um bebedor. Clousiot, a cada instante, faz cigarros para mim e os acende. A primeira refeição a bordo foi bem. Pela posição do sol, imaginamos que são 10 da manhã. Temos apenas cinco horas de alto-mar, mas percebemos que aqui a água já é muito profunda. As ondas diminuíram de altura e vamos cortando-as sem o barco bater. O dia é maravilhoso. Percebo que durante o dia não preciso da bússola constantemente. De vez em quando, comparo a posição do sol em relação à da agulha e me guio por ele; é facílimo. A reverberação do sol cansa os olhos. Sinto não ter pensado em arranjar uns óculos escuros. De repente, Clousiot diz:

– Que sorte eu tive de encontrar você no hospital.

– Não é só você, eu também tive sorte em que você viesse. Pensa em Dega, em Fernández… se eles tivessem concordado, estariam aqui conosco.

– Quem sabe? – diz Clousiot. – Você poderia ter complicações para conseguir que o árabe viesse na hora exata à enfermaria.

– É, Maturette foi muito útil e eu me felicito por tê-lo trazido, porque ele é muito dedicado, corajoso e esperto.

– Obrigado – diz Maturette – e obrigado a vocês dois por terem confiança em mim, apesar da minha pouca idade e daquilo que eu sou. Vou fazer de tudo para estar sempre à altura.

Depois eu digo:

– E François Sierra, gostaria tanto que ele estivesse aqui, e também Galgani…

– Do jeito que as coisas mudaram, Papillon, não era possível. Se Jesus fosse um homem correto e tivesse arranjado um bom barco, a gente poderia esperar por eles num lugar certo. Jesus os ajudaria a fugir e nós os levaríamos. Enfim, eles conhecem você e sabem que, se você não mandou buscá-los, é porque era impossível.

– A propósito, Maturette, como é que você estava naquela enfermaria especial, no hospital?

– Eu não sabia que estava internado. Fui ao exame médico porque estava com dor de garganta e também para passear; e o médico, quando me viu, disse: “Vejo, pela sua ficha, que você está internado nas ilhas. Por quê?” – “Eu não sei, doutor. O que é ‘internado’?” – “Bom, nada. Vá para o hospital.” E eu me encontrei hospitalizado, só isso.

– Queria agradar você – diz Clousiot.

– Não sei por que motivo o doutor fez isso. Deve estar dizendo: “Meu protegido, com sua garganta de menino de coro, não era tão besta assim, pois conseguiu fugir”.

Falamos de bobagens. Digo: “Quem sabe, a gente vai-se encontrar de novo com Julot, o ‘homem do martelo’? Deve estar longe, a não ser que continue escondido na floresta”. Clousiot diz: “Eu, antes de sair, deixei um bilhete debaixo do meu travesseiro: Mudou-se sem deixar endereço”. Explodimos numa gargalhada.

Navegamos cinco dias sem problemas. De dia, o sol, com sua trajetória leste-oeste, me serve de bússola. De noite, uso a bússola. No sexto dia, de manhã, um sol brilhante nos saúda, o mar acalmou-se de repente, peixes-voadores passam não muito longe de nós. Estou arrebentado de cansaço. Durante a noite, para me impedir de dormir, Maturette passava no meu rosto um pano molhado de água do mar mas, mesmo assim, eu pegava no sono. Então Clousiot me queimava com seu cigarro. Como está tudo calmo, resolvo dormir. Baixamos a vela e o cutelo, conservamos somente o traquete e eu durmo como uma pedra no fundo do barco, bem protegido contra o sol pela vela que fica estendida por cima de mim. Acordo sacudido por Maturette, que diz:


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