– Escuta, vamos fazer um pacto? Você me promete não bancar o louco e eu prometo estar sempre perto de você. Cada um se encosta no outro. Eu, nem precisa que diga, sou forte e rápido, aprendi a lutar muito moço e sei muito bem manejar a faca. Portanto, quanto aos outros forçados, pode ficar sossegado: seremos não só respeitados, mas temidos. Para a fuga, não precisamos de ninguém. Você tem grana, eu tenho grana, sei usar uma bússola e dirigir um barco. Que é que você quer mais?

Ele me olha bem firme nos olhos… nos abraçamos. O pacto está assinado.

A porta se abre dentro de alguns instantes. Ele parte para um lado com seus troços e eu sigo para o meu. Não ficamos muito longe um do outro e vamos poder às vezes conversar no barbeiro, no médico ou na capela aos domingos.

Dega se estrepou no negócio dos bônus falsos da Defesa Nacional. Eram fabricados por um falsário, de modo muito original. Ele clareava os bônus de 500 francos e tornava a imprimir em cima, com toda a perfeição, títulos de 10 000 francos. O papel permanecia o mesmo, eles eram aceitos com toda a confiança pelos comerciantes e pelos bancos. A coisa durava havia muitos anos e a seção de fraudes financeiras do Departamento de Investigações não sabia mais onde dar com a cabeça, até que um dia um tal de Brioulet foi preso em flagrante. Louis Dega estava bem sossegado à frente do seu bar em Marselha, onde se reunia todas as noites a fina flor do submundo do sul da França e que servia de ponto de encontro internacional para os grandes traficantes do vício de todo o mundo.

Era milionário em 1929. Um dia, uma mulher bem vestida, moça e bonita, aparece no bar. Quer falar com Monsieur Louis Dega.

– Sou eu, minha senhora, que deseja? Entre na sala ao lado, por favor.

– Acontece que eu sou a mulher de Brioulet – disse ela. – Ele está preso em Paris, por haver passado bônus falsos. Estive com ele no parlatório da prisão da Santé e ele me mandou pedir ao senhor 20 000 francos para pagar o advogado.

É então que um dos grandes reis do vício da França, Dega, diante do perigo de uma mulher que estava a par do seu papel no negócio, só encontra a única resposta que não deveria dar:

– Minha senhora, não conheço o seu homem e, se você precisa de dinheiro, vá fazer a vida. Ganhará mais dinheiro do que precisa, bonita como é.

A coitada da mulher, muito ofendida, sai correndo, em lágrimas, e vai contar toda a cena ao seu marido. Indignado, Brioulet, no dia seguinte, conta tudo o que sabia ao juiz de instrução, acusando formalmente Dega de ser o homem que fornecia os bônus falsos. Um mês mais tarde, Dega, o falsário, o gravador e onze cúmplices eram presos na mesma hora em diferentes lugares e logo trancafiados. Compareceram ao tribunal do Sena e o processo durou catorze dias. Cada acusado foi defendido por um grande advogado. Brioulet nunca se retratou. Conclusão: por causa de uns desgraçados 20 000 francos e uma palavra idiota, o maior líder do vício na França, arruinado, envelhecido de um decênio, pegou quinze anos de trabalhos forçados. Esse era o homem com quem eu acabava de assinar um pacto de vida e de morte.

O Dr. Raymond Hubert me veio visitar. Não estava muito animado. Não lhe fiz qualquer recriminação.

Um, dois, três, quatro, cinco, meia volta… Um, dois, três, quatro, cinco, meia volta. Há várias horas que faço essas idas e vindas da janela à porta da minha cela. Fumo, sinto-me consciente, equilibrado e capaz de agüentar qualquer coisa. Prometo a mim mesmo não pensar mais na vingança, por enquanto.

Deixemos o promotor no ponto em que ficou, amarrado às argolas do muro, à minha frente, sem que eu tenha decidido ainda de que maneira acabar com ele.

De repente, um grito, um grito desesperado, agudo, horrivelmente angustiado, consegue atravessar a porta da minha cela. Que será isso? Parece que estão torturando um homem; contudo, aqui não estamos na polícia judiciária. Não há meio de saber o que se passa. Esses gritos na noite me perturbam. Talvez seja um louco. É tão fácil ficar louco nestas celas onde nada chega até nós. Falo sozinho, em voz alta, pergunto a mim mesmo: “E o que é que você tem com isso? Pense em você, só em você e em Dega, seu novo sócio”. Abaixo, levanto, finalmente dou um soco no peito. Doeu muito, portanto tudo vai bem. Os músculos dos meus braços funcionam perfeitamente. E as pernas? Felicitações, pois há mais de dezesseis horas que estou andando e não sinto nenhum cansaço.

Os chineses inventaram a gota de água que cai sobre a cabeça do prisioneiro. Os franceses, por sua vez, inventaram o silêncio. Suprimem qualquer meio de distração. Nem livros, nem papel, nem lápis, a janela fortemente gradeada está completamente tapada por tábuas, com alguns buraquinhos para deixar passar um pouco de luz muito filtrada.

Muito impressionado pelo grito dilacerante, volto-me como um animal preso numa gaiola. Tenho realmente a sensação de estar abandonado por todos e estar literalmente enterrado vivo. Sim, estou completamente só e tudo o que chegar até mim não será mais que um grito.

Abrem a porta. Aparece um velho padre. Você não está sozinho, há um padre aí, na sua frente.

– Meu filho, boa noite. Desculpe não ter vindo antes, mas estava de férias. Como vai você? – E o bom velho padre entra sem cerimônia na cela e senta-se sem hesitação no meu catre.

– De onde você é?

– Do departamento de Ardèche.

– Seus pais?

– Mamãe morreu quando eu tinha onze anos. Meu pai gostava muito de mim.

– Que fazia ele?

– Era professor primário.

– Ainda é vivo?

– Sim.

– Por que você fala no passado, se ele está vivo?

– Porque ele está vivo, mas eu estou morto.

– Oh, não diga isso! Que foi que você fez?

Como num relâmpago, passa pela minha cabeça a idéia de que seria ridículo dizer que sou inocente. Respondo logo:

– A polícia diz que matei um homem e, se ela diz isso, deve ser verdade.

– Era um comerciante?

– Não, era um rufião.

– E é por causa de uma história de submundo que condenaram você aos trabalhos forçados perpétuos? Não compreendo, Foi um assassinato?

– Não, um homicídio.

– É inacreditável, meu pobre filho. Que posso fazer por você? Quer rezar comigo?

– Seu padre, me perdoe, não recebi nenhuma educação religiosa, não sei rezar.

– Não tem importância, meu filho, vou rezar por você. O bom Deus ama todos os seus filhos, batizados ou não. Repita cada palavra que eu digo, você quer?

Seus olhos são tão suaves, sua cara redonda mostra tanta luminosa bondade, que tenho vergonha de recusar e, tendo-se ajoelhado, faço como ele: “Pai nosso, que estais no céu…” As lágrimas me vêm aos olhos e o bom padre, vendo isso, recolhe na minha cara, com seu dedo gordo, uma grossa lágrima, que leva aos lábios e bebe.

– Suas lágrimas, meu filho, são para mim a maior recompensa que Deus podia me enviar hoje através de você. Obrigado.

E, levantando-se, ele me beija na testa.

Estamos novamente sentados no catre, lado a lado.

– Há quanto tempo que você não chorava?

– Catorze anos.

– Catorze anos, por quê?

– No dia da morte da minha mãe.

Pega a minha mão e diz:

– Perdoa aos que tanto te fizeram sofrer.

Arranco a minha mão da sua e, de um pulo, estou novamente de pé no meio da cela.

– Ah, não! Isso não! Nunca hei de perdoar. E o senhor quer que lhe diga uma coisa, padre? Pois bem, cada dia, cada noite, cada hora, cada minuto, passo meu tempo a imaginar quando, como, de que maneira poderei matar todos aqueles que me enviaram para cá.

– Você diz e acredita nisso, meu filho. Você é moço, muito moço. Quando tiver mais idade, renunciará às idéias de castigo e de vingança.

Agora, 34 anos mais tarde, penso como ele.

– Que posso fazer por você? – repete o padre.

– Um delito, padre.

– Qual?

– Ir à cela 37 para dizer a Dega que mande fazer pelo seu advogado um pedido para ser transferido à Central de Caen; diga a ele que já fiz meu pedido hoje. Precisamos sair logo da Conciergerie para uma das centrais onde se formam os comboios para a Guiana, porque, se a gente perde o primeiro navio, tem que esperar mais dois anos na reclusão até que tenha outro. Depois de ver meu amigo, senhor padre, precisa voltar aqui.


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