Dois dias depois, somos tirados da solitária e, cada um enquadrado por dois guardas, levados ao escritório do diretor. Na frente da entrada acham-se três pessoas sentadas atrás da mesa. É uma espécie de tribunal. O diretor faz o papel de presidente; o subdiretor e o inspetor-chefe, de assessores.
– Ah, ah, seus malandros! Estão aí? Que têm a dizer?
Julot está muito pálido, os olhos inchados, certamente com febre. Há três dias com o braço quebrado, deve sofrer horrivelmente.
Com muita calma, Julot responde:
– Estou com um braço quebrado.
– Mas foi você quem quis que lhe quebrassem o braço. Isso lhe ensinará a não atacar as pessoas. Você será examinado pelo médico quando ele vier. Espero que demore uma semana. Essa espera será salutar, pois a dor servirá para lhe ensinar alguma coisa. Você não pensa que vou mandar vir um médico especialmente para um indivíduo da sua espécie? Aguarde que o médico da Central tenha tempo de vir e ele tratará de você. Isso não impede que eu condene vocês dois a ficarem na cafua até nova ordem.
Julot olha para mim, bem nos olhos. “Esse senhor bem vestido dispõe bem facilmente da vida de seres humanos”, é o que parece querer dizer.
Viro a cabeça de novo para o diretor e olho para ele. Ele pensa que lhe quero falar, e me diz:
– E você, a decisão não lhe agrada? Que tem a reclamar?
Eu respondo:
– Nada, senhor diretor. Apenas sinto a necessidade de lhe cuspir na cara, mas não o faço de medo de sujar minha saliva.
Fica tão espantado, que enrubesce e não compreende imediatamente. Mas o inspetor-chefe logo reage. Grita aos vigilantes:
– Agarrem-no e tratem bem dele! Quero vê-lo dentro de uma hora pedindo perdão de rastos. Vamos ensiná-lo! Vou fazê-lo limpar meus sapatos com a língua, por cima e por baixo. Não o tratem com bons modos, isso fica a cargo de vocês.
Dois guardas me torcem o braço direito, dois outros o esquerdo. Estou achatado no chão, as mãos levantadas à altura das omoplatas. Eles me põem as algemas, com umas argolas especiais que me ligam o indicador esquerdo com o polegar direito. O inspetor-chefe me levanta do chão como a um animal, puxando-me pelos cabelos.
Nem é preciso contar tudo o que me fizeram. Basta dizer que fiquei com as mãos algemadas atrás das costas durante onze dias. Devo a vida ao guarda Batton. Cada dia, ele jogava no meu calabouço a bola de pão regulamentar, mas, privado das minhas mãos, eu não podia comer. Mesmo empurrando o pão com a cabeça contra a grade, eu não conseguia tirar uma migalha com os dentes. Mas Batton jogava também, em quantidade suficiente para me manter vivo, pedaços de pão da grossura de um bocado. Com o pé, eu fazia montinhos, depois deitava-me de bruços e comia como se fosse um cachorro. Mastigava bem cada pedaço, para não perder nada.
No 12.° dia, quando me tiraram as algemas, o aço havia penetrado na pele e o ferro estava, em alguns lugares, recoberto de carne tumefata. O guarda-chefe ficou com medo, ainda mais porque desmaiei de dor. Depois que me fizeram recuperar os sentidos, levaram-me à enfermaria, onde me limparam com água oxigenada. O enfermeiro exigiu que me dessem urna injeção antitetânica. Meus braços estavam anquilosados e não podiam voltar à posição normal. Depois de mais de meia hora de fricção com óleo canforado, consegui baixá-los ao longo do meu corpo.
Voltei ao calabouço e o vigilante-chefe, vendo as onze bolas de pão, ainda disse:
– Você vai tirar a barriga da miséria! É gozado, você não está tão magro, depois de onze dias de jejum…
– Bebi muita água, chefe.
– Ah! é por isso, compreendo. Agora coma bastante para se refazer.
E foi embora.
Pobre imbecil! Ele me diz isso porque acredita que nada comi durante onze dias e que, se eu me encher demais de uma só vez, vou morrer de indigestão. Desse susto você não morre. À noite, Batton me passa tabaco e papel. Fumo, fumo, soprando a fumaça pelo cano de aquecimento, que naturalmente nunca funciona. Desta vez, pelo menos, serviu para alguma coisa.
Mais tarde chamo Julot. Ele pensa que nada comi durante onze dias e me aconselha a ir devagar. Tenho medo de lhe contar a verdade, temendo que algum desgraçado possa decifrar o telegrama na transmissão. Mot está com o braço engessado, o seu moral é bom e ele se congratula pela minha resistência.
Segundo ele, a partida do comboio está próxima. O enfermeiro lhe disse que já chegaram as ampolas de vacina destinadas aos prisioneiros antes do embarque. Geralmente, elas chegam um mês antes da partida. Julot é bastante imprudente, porque me pergunta também se eu salvei meu canudo.
Sim, eu salvei, mas o que fiz para guardar essa fortuna nem posso descrever. Estou com feridas cruéis no ânus.
Três semanas mais tarde, tiram-nos do calabouço. Que está acontecendo? Fazem-nos passar por uma ducha sensacional, com sabão e água quente. Sinto-me reviver. Julot ri como uma criança e Pierrot le Fou irradia a alegria de viver.
Como estamos saindo da solitária, nada sabemos do que se passa. O barbeiro não quis responder à minha rápida pergunta, murmurada em voz baixa:
– Que se passa?
Um desconhecido de mau aspecto me diz:
– Creio que estamos anistiados do calabouço. Eles talvez estejam com medo de um inspetor que virá fazer uma visita. O essencial é que estamos vivos.
Cada um de nós é levado para uma cela normal. Ao meio-dia, na primeira sopa quente depois de 43 dias, encontro um pedaço de madeira, onde está escrito: “Partida, oito dias. Amanhã, vacina”.
Quem é que me enviou isso?
Nunca soube. Certamente um recluso que teve a gentileza de nos avisar, sabendo que, se um de nós recebe a notícia, todos os outros serão avisados. A mensagem não deve ter chegado às minhas mãos por puro acaso.
Logo advirto Julot pelo telefone: “Passe adiante”.
Ouvi telefonemas a noite toda. Mas eu, depois de transmitida a mensagem, não quis fazer mais nada.
Estou muito bem na minha cama. Não quero aborrecimentos. E não me agrada voltar ao calabouço. Hoje, menos do que nunca.
2 A CAMINHO DO DEGREDO
De tarde, Batton me passa três cigarros Gauloise e um pedaço de papel onde leio: “Papillon, sei que você vai embora levando boa recordação de mim. Colaboro na vigilância, mas procuro fazer o menor mal possível aos presos. Peguei este cargo porque tenho nove filhos e tenho pressa de ser indultado. Vou tentar, sem fazer muito mal, ganhar o meu indulto. Adeus. Boa sorte. O comboio sai amanhã de manhã”.
Com efeito, no dia seguinte estamos reunidos em grupos de trinta no corredor do quartel disciplinar. Enfermeiros vindos de Caen nos vacinam contra as doenças tropicais. Para cada um, três vacinas e 2 litros de leite. Dega está junto comigo, pensativo. Não respeitamos mais nenhuma ordem de silêncio, porque sabemos que não nos podem botar no calabouço logo depois de vacinados. Batemos papo em voz baixa, juntinho dos guardas, que não ousam dizer nada, por causa dos enfermeiros da cidade. Dega me diz:
– Será que eles vão ter bastantes carros de presos para levar a gente de uma só vez?
– Acho que não.
– Saint-Martin-de-Ré é longe e, se levarem sessenta por dia, isso vai durar dez dias, porque, só aqui, há quase seiscentos.
– O essencial é estar vacinado. Isso quer dizer que estamos na lista e que daqui a pouco estaremos no degredo de forçados. Coragem, Dega, uma outra etapa vai começar. Conte comigo, como eu conto com você.
Ele me fita com seus olhos brilhantes de satisfação, põe sua mão em meu braço e diz:
– Para a vida ou para a morte, Papi.
Quanto ao comboio, foram poucos os incidentes dignos de narração, exceto que a gente morria asfixiado, cada um no seu pequeno espaço do furgão de presos. Os guardas se recusaram a entreabrir as portas, para que tivéssemos um pouco mais de ar. Na chegada em La Rochelle, dois dos nossos companheiros de furgão haviam morrido por asfixia.