— Alô — disse uma forte voz masculina a alguns metros de distância.

— Bem-vindo de volta. Loren virou a cabeça em direção ao som e teve uma visão indistinta de uma figura enfaixada numa cama adjacente.

— Creio que não me reconhece, Sr. Lorenson. Tenente Bill Horton, engenheiro de comunicações e ex-surfista.

— Oh, alô Bill, o que você andou fazendo? — sussurrou Loren. Mas então a enfermeira chegou e terminou a conversa com outra hipodérmica bem posicionada. Agora ele se sentiu perfeitamente recuperado e só queria receber permissão para se levantar. A cirurgiã-comandante Newton acreditava ser preferível deixar que seus pacientes soubessem o que estava acontecendo com eles e por quê. Mesmo que não entendessem coisa alguma, isto ajudava a mantê-los quietos, de modo que a aborrecida presença desses pacientes não afetasse em demasia o perfeito funcionamento da unidade médica.

— Você pode se sentir muito bem, Loren — ela disse —, mas seus pulmões ainda estão se recuperando e você deve evitar qualquer esforço até que eles tenham voltado à sua capacidade total. Se os oceanos de Thalassa fossem como os da Terra, não teria havido problema. Mas eles são muito menos salinos, são de água potável, lembra-se? E você bebeu um litro dela. Como os seus fluidos corpóreos são mais salgados que o mar, a balança isotônica foi inteiramente alterada. Por isso houve um bocado de danos às membranas, devido à pressão osmótica. Nós tivemos que realizar uma boa pesquisa em alta velocidade no computador-arquivo da nave, antes que pudéssemos cuidar de você. Afinal, afogamento não é um perigo normal no espaço.

— Eu vou ser um bom paciente — disse Loren.

— E certamente aprecio tudo o que fizeram. Mas quando poderei receber visitas? — Há uma esperando lá fora. Vocês têm quinze minutos. Depois disso a enfermeira a mandará embora.

— E não se incomode comigo — disse o tenente Horton —, eu estou dormindo profundamente.

33. MARÉS

Mirissa sentia-se claramente indisposta, sendo evidente que era tudo culpa da falha da pílula. Pelo menos tinha o consolo de saber que isto só poderia acontecer uma vez mais, quando (e se!) ela tivesse o segundo filho permitido. Era incrível pensar que praticamente todas as gerações de mulheres, haviam sido forçadas a suportar aquele desconforto mensal durante metade de suas vidas. Seria pura coincidência, ela se perguntava, que o ciclo de fertilidade se aproximasse ao período da única Lua gigante da Terra? Imagine se funcionasse do mesmo modo em Thalassa, com seu dois satélites tão próximos! Talvez fosse ótimo que suas marés fossem quase imperceptíveis, o pensamento de ciclos menstruais de cinco e sete dias se chocando em desarmonia era tão comicamente horrível que ela não podia deixar de sorrir e sentir-se imediatamente bem melhor. Tinha levado semanas para tomar sua decisão e ainda não contara a Loren, e muito menos a Brant, ocupado em reparar o Calypso na Ilha do Norte. Teria feito isto se ele não a tivesse abandonado, em seu acesso de fanfarronice e machismo, fugindo sem luta? Não, isto não era justo, era uma reação primitiva, mesmo préhumana. E no entanto tais instintos custavam a morrer. Loren lhe contara, em tom de quem se desculpa, das vezes em que ele e Brant

tinham caçado um ao outro pelos corredores dos seus sonhos. Ela não podia culpar Brant, devia sentir-se orgulhosa dele. Não fora covardia e sim consideração que o enviara ao norte, até que ambos pudessem decidir seus destinos. E a decisão dela não fora tomada às pressas. Percebia agora como aquilo devia ter pairado abaixo do nível de consciência em sua mente durante semanas. A morte temporária de Loren a lembrara (como se precisasse ser lembrada!) de que logo eles se separariam para sempre. Sabia o que precisava ser feito, antes que ele partisse para as estrelas. Cada um de seus instintos dizia que era a coisa certa. E o que Brant iria dizer? Como ele iria reagir? Este era outro dos muitos problemas a serem enfrentados. „Eu te amo, Brant”, ela sussurrou. „Eu quero que você volte e o meu segundo filho será seu. Mas não o primeiro.”

34. REDE DA NAVE

„Que estranho”, pensou Owen Fletcher, „que eu compartilhe do mesmo sobrenome do mais famoso amotinado de todos os tempos!” Será que eu poderia ser descendente dele? Vamos ver, são mais de dois mil anos desde que eles desembarcaram na Ilha de Pitcairn… digamos umas cem gerações para tornar o cálculo mais fácil… Fletcher tinha um orgulho ingênuo da sua habilidade em fazer cálculos mentais que, embora elementares, surpreendiam e impressionavam uma vasta maioria. Afinal, durante séculos os homens tinham apertado botões quando confrontados com o problema de somar dois mais dois. O ato de lembrar alguns logaritmos e constantes matemáticas ajudava enormemente e tornava a sua performance ainda mais misteriosa para aqueles que não sabiam como era feito. É claro que ele só escolhia exemplos que sabia como calcular, e era muito raro que alguém se incomodasse em verificar suas respostas… „Umas cem gerações atrás, portanto, é dois elevado a 100 ancestrais, log de dois é ponto três zero um zero — isto dá trinta vírgula um… Por Judas! Um milhão de milhão de milhão de milhão de milhão de pessoas! Alguma coisa estava errada. Nada perto deste número de gente jamais viveu na Terra desde o início dos tempos. É claro, isto pressupõe que nunca houve qualquer superposição, a árvore genealógica humana deve ser totalmente entrelaçada. De qualquer forma, depois de cem gerações todo mundo deve ter parentesco com todo mundo. Eu nunca serei capaz de provar isso, mas Fletcher Christian deve ser meu ancestral várias vezes. „Tudo muito interessante”, ele pensou, enquanto desligava a tela de exposição e os antigos registros desapareciam. „Mas eu não sou um amotinado. Eu sou uma pessoa que está fazendo um pedido, uma solicitação perfeitamente razoável. Karl, Ranjit, Bob, todos concordam… Werner está incerto mas não vai nos denunciar. Como eu gostaria de poder falar com os outros Sabras, e falar-lhes a respeito do mundo adorável que encontramos enquanto eles dormiam. Enquanto isso eu tenho que responder ao comandante… O comandante Bey achava decididamente perturbador ter que cuidar dos negócios da nave sem saber quem, ou quantos de seus tripulantes ou oficiais estariam se dirigindo a ele através do anonimato da REDE DA NAVE. Não havia modo pelo qual esses insumos não registrados pudessem ser rastreados. Seu propósito era permanecerem confidenciais e tinham sido projetados como um mecanismo de estabilização social pelos gênios há muito mortos que desenharam a Magalhães. Ele tinha sugestivamente falado de um rastreador ao seu engenheiro-chefe de comunicações, mas o comandante Rocklynn ficara tão chocado que imediatamente mudara de assunto. Assim, agora ficava sondando rostos, notando expressões e inflexões de voz enquanto tentava agir como se nada houvesse acontecido. Talvez estivesse mesmo tendo uma reação exagerada e nada de importante houvesse acontecido. Mas temia que a semente já estivesse plantada e que fosse crescer a cada dia que a nave passasse em órbita sobre Thalassa. Sua primeira resposta, esboçada depois de uma consulta com Malina e Kaldor, fora suficientemente amena:

DO: COMANDANTE PARA: ANON „Em resposta à sua comunicação não datada, eu não tenho nenhuma objeção quanto às discussões ao longo das linhas que propõe, sejam elas através da REDE DA NAVE, ou formalmente, no Conselho de bordo.” Na realidade, tinha objeções muito fortes. Passara metade de sua vida adulta treinando para a terrível responsabilidade de transplantar um milhão de seres humanos através de cento e vinte e cinco anos-luz de espaço. Esta era a sua missão, e se a palavra „sagrada” tivesse algum significado para ele, ele a teria usado. Nada, exceto um dano catastrófico na nave ou a improvável descoberta de que o sol de Sagan 2 estava a ponto de se tornar uma nova poderia afastá-lo deste objetivo. Enquanto isso, havia uma linha de ação óbvia, talvez, como os homens de Bligh, a tripulação estivesse perdendo o moral, ou pelo menos ficando negligente. Os consertos na fábrica de gelo, depois dos pequenos danos causados pelo vagalhão, tinham levado duas vezes o tempo esperado, e isto era típico. Todo o ritmo da nave estava se


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