„A praça a princípio parece vazia, então, observo algo perturbador. Não me pergunte por quê, é sempre uma surpresa, estou sempre vendo aquilo pela primeira vez.”

„Existe um pequeno monte no centro da praça, com um padrão de linhas se irradiando a partir dele. Eu me pergunto se são muros arruinados parcialmente enterrados no lodo. Mas o arranjo não faz sentido, e então percebo que o monte está pulsando.”

„E um momento depois eu noto dois imensos olhos que não piscam a me fitar.”

„E isso é tudo, nada acontece. Nada aconteceu aqui por seis mil anos, desde aquela noite em que a barreira de terra cedeu e o mar se derramou através das Colunas de Hércules.”

„O lento é o meu movimento favorito, mas eu não podia terminar a sinfonia em semelhante clima de tragédia e desespero. Daí o finale, ‘Ressurreição’.”

„Eu sei, é claro, que a Atlântida de Platão nunca existiu realmente. E por essa mesma razão ela não pode morrer nunca. Vai ser sempre um ideal, um sonho de perfeição, um motivo para inspirar os homens de todas as eras do porvir. É por isso que a sinfonia termina com esta marcha triunfal em direção ao futuro.”

„Eu sei que a interpretação popular da marcha é de uma nova Atlântida emergindo das ondas. Isto é um pouco óbvio demais. Para mim, o finale representa a conquista do espaço. Depois que o terminei, demorei para me livrar daquele tema final. Aquelas malditas quinze notas ficavam martelando em meu cérebro noite e dia…”

„Atualmente o ‘Lamento’ existe bem independente de mim, adquiriu vida própria. E mesmo quando a Terra tiver desaparecido, continuará acelerando em direção à Galáxia de Andrômeda, impulsionado pelos

cinqüenta mil megawatts do transmissor de Espaço Profundo na Cratera Tsiolkovski.”

„E algum dia, talvez daqui a séculos ou milênios, ela será lembrada e entendida.” Memórias ditadas — Sergei Di Pietro (3411 — 3509)

53. A MÁSCARA DOURADA

— Nós sempre fingimos que ela não existia — disse Mirissa.

— Mas queria vê-la agora — só uma vez. Loren ficou em silêncio por um tempo e respondeu: — Você sabe que o comandante Bey nunca admitiu nenhum visitante. É claro que ela sabia disso, e também entendia as razões. Embora a princípio houvesse gerado algum ressentimento, todos em Thalassa compreendiam agora que a pequena tripulação de Magalhães era muito atarefada para servir de guia turístico ou atendente para os imprevisíveis quinze por cento que enjoariam nas seções de gravidade zero da nave. Até mesmo o presidente Farradine recebera um polido não.

— Eu falei com Moisés e ele conversou com o comandante. Está tudo arranjado. Mas isso deve ser mantido em segredo até que a nave tenha partido. Loren olhou para ela admirado e sorriu. Mirissa era sempre surpreendente, isto era parte da atração que ela exercia. Percebeu, com uma pontada de tristeza, que ninguém mais em Thalassa tinha direito a esse privilégio, o irmão dela era o único lassaniano que fizera esta jornada. O comandante Bey era um homem justo, pronto a modificar as regras se necessário. E uma vez que a nave tivesse partido, dali a três dias, isso não teria mais nenhuma importância.

— Suponha que você sinta enjôo no espaço.

— Eu nunca enjoei no mar.

— Isso não prova nada.

— Já falei com a comandante Newton. Ela me deu uma probabilidade de sucesso de 95 %. E sugeriu que eu vá na nave-auxiliar da meia-noite, quando não haverá nenhum residente local nas imediações.

— Você pensou em tudo, não? — disse Loren francamente admirado.

— Eu encontrarei você na plataforma número dois, quinze minutos antes da meia-noite.

— Ele fez uma pausa e então acrescentou com dificuldade: — Eu não vou descer outra vez. Por favor, diga adeus ao Brant por mim.

Seria um suplício que ele não conseguiria enfrentar. De fato, não colocara os pés na residência dos Leônidas desde que Kumar fizera sua última viagem e Brant retornara para consolar Mirissa. Já era quase como se Loren nunca tivesse penetrado em suas vidas. E estava abandonando a deles inexoravelmente, pois agora podia olhar para Mirissa com amor mas sem desejo. Uma emoção mais profunda, uma das piores mágoas que já conhecera ocupava agora a sua mente. Ele tinha desejado e esperado, pensando em ver seu filho, mas a nova data de partida da Magalhães tornava isso impossível. Embora tivesse ouvido as batidas do coração do filho misturadas com as da mãe, nunca seguraria aquela criança em seus braços. A nave auxiliar rumou para o local de encontro, no lado diurno do planeta, de modo que a Magalhães ainda se encontrava a cem quilômetros de distância quando Mirissa a viu. E mesmo conhecendo suas reais dimensões, ela lhe pareceu um brinquedo de criança, cintilando na luz do sol. De uma distância de dez quilômetros não lhe parecia maior. Seu cérebro e seus olhos insistiam que aqueles círculos escuros, em torno da seção central, eram apenas vigias. Só quando o interminável casco curvo da nave elevou-se ao lado dela, sua mente admitiu que eles eram as comportas de acoplamento e entrada de carga, e a nave auxiliar estava a ponto de penetrar numa delas. Loren olhou ansioso para Mirissa quando ela soltou o cinto de segurança. Este era o momento perigoso, quando pela primeira vez, livre de qualquer contenção, o passageiro super confiante percebia repentinamente que a gravidade zero não era tão agradável quanto parecia. Mas Mirissa parecia inteiramente à vontade enquanto flutuava através da comporta, impulsionada por suaves empurrões de Loren.

— Felizmente não há necessidade de ir à seção „G-l”, assim você evita o problema de se readaptar duas vezes. Não terá que preocupar-se com a gravidade novamente, até que estejamos de volta ao solo. „Seria interessante”, pensou Mirissa, „poder visitar os alojamentos na seção giratória da nave”, mas isso teria exigido intermináveis conversações educadas e contatos pessoais, que eram a última coisa que desejava agora. Estava satisfeita que o comandante Bey ainda estivesse em Thalassa, não haveria necessidade nem mesmo de uma visita cortês de agradecimento. Quando deixaram a câmara de ar, entraram por um corredor tubular, que parecia estender-se ao longo de todo o comprimento da nave. Num dos lados havia uma escada de mão, no outro, duas fileiras de laços flexíveis, convenientes para mãos ou pés, deslizavam lentamente em ambas as direções, ao longo de fendas paralelas.

— Este não é um lugar muito bom para se estar quando aceleramos — explicou Loren.

— Ele se torna então um poço vertical com dois quilômetros de profundidade. É ai que você precisa realmente da escada e dos corrimãos. Você só tem que segurar aquele laço e ele fará o resto. Eles flutuaram sem esforço, sendo arrastados por várias centenas de metros, passaram em seguida para um corredor em ângulo reto com o primeiro.

— Solte o laço — disse Loren, depois de percorrerem algumas dúzias de metros.

— Eu quero lhe mostrar uma coisa. Mirissa soltou seu apoio e eles flutuaram até parar ao lado de uma longa e estreita janela colocada num dos lados do túnel. Ela olhou através do vidro espesso para uma caverna de metal, imensa e brilhantemente iluminada. Embora houvesse esquecido sua localização, calculava que esta câmara cilíndrica devia abranger toda a largura da nave e que por isso aquela barra central devia se encontrar ao longo de seu eixo.

— A propulsão quântica — disse Loren orgulhosamente. Ele nem mesmo tentou dar nomes às formas de cristal metal encoberto, aos arcobotantes de curioso formato projetandose das paredes da câmara. As constelações de luzes e a esfera de um negro total, ainda que sem detalhes, de algum modo pareciam estar girando… Depois de algum tempo Loren disse: — A maior conquista do gênio humano. A última dádiva da Terra a seus filhos. Um dia ela nos tornará senhores da Galáxia. Havia uma arrogância nestas palavras que fez Mirissa estremecer. Este era o velho Loren falando como antigamente, antes de ser amolecido por Thalassa. „Assim seja”, ela pensou, „uma parte dele mudou para sempre.” — Você acha — ela perguntou suavemente Galáxia chegará pelo menos a se dar conta? — que a Entretanto, estava impressionada, e olhou por um longo tempo para as formas imensas e sem significado que transportaram Loren através dos anos-luz. Não sabia se devia abençoá-las, pelo que tinham lhe trazido, ou amaldiçoá-las, pelo que logo levariam embora. Loren a conduziu uma vez mais pelo labirinto, cada vez mais para dentro da Magalhães. Nem uma vez eles depararam com outra pessoa, o que era um indicador do tamanho da nave e da escassez de sua tripulação.


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