9. A BUSCA DO SUPERESPAÇO

De todos os impactos psicológicos que os cientistas do século XX tiveram que suportar, talvez o mais devastador e inesperado tenha sido a descoberta de que nada era mais cheio que o assim chamado espaço „vazio”.

A velha doutrina aristotélica de que a Natureza detestava o vácuo era perfeitamente verdadeira. Mesmo quando todos os átomos da matéria aparentemente sólida eram removidos de um determinado volume, o que restava era um fervilhante inferno de energias, numa escala e densidade inimagináveis para a mente humana. Em comparação, até mesmo a forma mais condensada de matéria — os cem milhões de toneladas por centímetro cúbico de uma estrela de nêutrons — constituía um fantasma impalpável, uma perturbação quase imperceptível na estrutura incrivelmente densa e, no entanto, semelhante a uma esponja, do „superespaço”.

Que havia muito mais no espaço do que a ingênua intuição sugeria foi revelado pela primeira vez num trabalho clássico de Lamb e Rutherford datado de 1974. Ao estudar o mais simples dos elementos, o átomo de hidrogênio, eles descobriram que alguma coisa muito estranha acontecia quando o elétron solitário orbitava o núcleo. Longe de viajar numa curva perfeita ele se comportava como se estivesse sendo sacudido por ondas incessantes numa escala submicroscópica. Embora fosse difícil compreender tal conceito, existiam flutuações no próprio vácuo.

Desde o tempo dos gregos, os filósofos se dividiam em duas escolas. A daqueles que acreditavam que o funcionamento da Natureza ocorria de modo uniforme e a dos que argumentavam ser isso uma ilusão, e que tudo acontecia, na realidade, sob a forma de discretos pulos ou solavancos, pequenos demais para serem percebidos na vida diária. O estabelecimento da teoria atômica constituiu um triunfo para a segunda escola de pensamento, e quando a Teoria Quântica de Planck demonstrou que mesmo a luz e a energia vinham em pequenos pacotes, e não em fluxos contínuos, a discussão ficou decidida.

Em última análise, o mundo natural era granulado, descontínuo. E mesmo que a olho nu uma cachoeira e a queda de um monte de tijolos parecessem muito diferentes, ambas as situações era idênticas. O pequeninos „tijolos” de H2O eram muito pequenos para serem vistos sem o auxílio de instrumentos, mas podiam ser facilmente visualizados com as ferramentas dos físicos.

E agora a análise ia mais um passo à frente. O que tornava a estrutura granular do espaço tão difícil de ser percebida não era apenas sua escala submicroscópica, mas a sua total violência. Ninguém poderia realmente imaginar um milionésimo de centímetro, mas pelo menos o número em si, a ordem de grandeza de um milhão não era algo desconhecido em certas atividades humanas, como estatísticas de população e orçamentos. Dizer que são necessários um milhão de vírus para abranger a distância de um centímetro já transmite algum significado à mente. Mas um bilionésimo de centímetro, que era comparável ao tamanho do elétron, já constituía alguma coisa muito além da capacidade de compreensão. Podia, talvez, ser percebido com a razão, mas não emocionalmente.

E, no entanto, a escala dos acontecimentos na estrutura do espaço era inacreditavelmente menor do que essa — a tal ponto que, em comparação, uma formiga e um elefante teriam virtualmente o mesmo tamanho. Se alguém a imaginasse como uma massa de espuma borbulhante (algo enganoso, mas um primeiro passo em direção à verdade), então essas bolhas seriam…

… um milésimo de um milionésimo de um milionésimo de um milionésimo de um milionésimo de um milionésimo….. de um centímetro de diâmetro.

E agora imagine essas bolhas estourando continuamente, com energias comparáveis às das bombas nucleares, e então reabsorvendo essa energia e cuspindo-a de novo, e assim sucessivamente, por toda a eternidade. Esta, numa simplificação grosseira, foi a imagem desenvolvida para a estrutura fundamental do espaço por alguns físicos do final do século XX. Que tais energias intrínsecas pudessem um dia ser aproveitadas parecia algo completamente ridículo naquela época.

Havia surgido, algumas gerações antes, a idéia de liberar as forças recém descobertas no núcleo do átomo. No entanto, isso acontecera em menos de meio século. Dominar as „flutuações quânticas” que guardavam as energias do próprio espaço seria uma tarefa mais difícil em muitas ordens de magnitude, mas o prêmio correspondente seria também muito maior.

Entre outras coisas, ela daria à humanidade a liberdade sobre o universo. Uma espaçonave poderia ser acelerada praticamente para sempre, já que ela não necessitaria mais de qualquer combustível. O único limite prático de velocidade seria, paradoxalmente, aquele enfrentado pelos primeiros aviões, ou seja, a fricção provocada pela atmosfera à sua volta. O espaço entre as estrelas continha quantidades apreciáveis de hidrogênio e outros átomos, o que começaria a criar problemas bem antes de se atingir o limite final representado pela velocidade da luz.

A propulsão quântica poderia ter-se tornado realidade em qualquer data após o ano 2500 e, se assim fosse, a história da raça humana teria sido totalmente diferente. Infelizmente, como acontecera muitas vezes antes no oscilante progresso da ciência, observações erradas e teorias incorretas retardaram o salto final durante quase mil anos.

Os séculos febris dos Últimos Dias produziram muita arte brilhante, embora freqüentemente de natureza decadente, mas muito pouco conhecimento que fosse de fato novo. Além disso, nessa altura o longo registro de fracassos tinha convencido quase todo mundo de que o aproveitamento das energias armazenadas no espaço, assim como o moto-perpétuo, era algo impossível mesmo em teoria, e mais ainda na prática.

Entretanto, tal qual o moto-perpétuo, ainda não se provara que era impossível, e até que isso fosse demonstrado sem margem de dúvida, ainda restaria alguma esperança.

Apenas 150 anos antes do fim, um grupo de físicos em Lagrange Um, um satélite de pesquisas em gravidade zero, anunciou que tal prova fora encontrada. Existiam razões fundamentais pelas quais as imensas energias do superespaço, ainda que fossem bem reais, nunca poderiam ser aproveitadas. Ninguém estava absolutamente interessado no esclarecimento desse beco escuro e sem saída da ciência.

Um ano depois, um pigarro de embaraço escapou de Lagrange Um: um pequeno erro fora encontrado na prova. Era o tipo de coisa que acontecera com freqüência no passado, embora nunca com implicações tão fantásticas.

Um sinal de menos fora acidentalmente convertido num sinal de mais. E, instantaneamente, o mundo inteiro havia mudado. A estrada para as estrelas se abria, cinco minutos antes da meia-noite. (N. do T. Clarke aqui faz uma referência ao relógio dos teóricos do apocalipse nuclear, no qual meia-noite representa o fim do mundo.)


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