No dia seguinte, Dega pede alta e Fernández também. O Mana zarpou de manhã. Pretendem fugir das celas do presídio, desejo-lhes boa sorte, eu não mudo meus planos.

Encontrei Jesus. É um velho condenado liberto, seco como um bacalhau, rosto moreno, marcado por duas horríveis cicatrizes. Tem um olho que fica lacrimejando o tempo todo, quando olha a gente. Cara feia, olhar perigoso. Não me inspira a menor confiança, o futuro vai provar que eu tenho razão. Entramos logo no assunto:

– Posso arranjar um barco para quatro homens, no máximo cinco. Um tonel de água, comida, café e fumo; três remos, uns sacos vazios, agulha e linha para você mesmo fazer a vela e o cutelo, a vela menor; uma bússola, um machado, uma faca, 5 litros de tafiá (rum da Guiana), tudo por 2 500 francos. A lua some daqui a três dias. Se você aceitar, daqui a quatro dias vou ficar esperando no barco todas as noites, das 11 às 3 da manhã, durante oito dias. No primeiro quarto de lua não vou esperar mais. O barco estará exatamente no canto do muro, atrás do hospital. Vá andando pelo muro, porque enquanto você não estiver em cima do bote não vai conseguir enxergá-lo, nem a 2 metros.

Não confio nele, mas aceito assim mesmo.

– E a gaita? – pergunta Jesus.

– Mando por Sierra.

Despedimo-nos sem apertar as mãos. Nada elegante.

Às 3, Chatal vai até o presídio levar o dinheiro para Sierra, 2 500 francos. Penso comigo: “Jogo esse dinheiro por Galgani, porque é arriscado. Espero que ele não beba essas 2 500 pratas!”

Clousiot está radiante, cheio de confiança em si, em mim e no nosso plano. Só uma coisa o preocupa: quase todas as noites, o carcereiro árabe volta para a enfermaria e, além disso, não muito tarde. Outro problema: quem mais, poderíamos escolher para fazer a proposta? Há um corso do baixo mundo de Nice, chamado Biaggi. Está na colônia desde 1929, encontra-se de prisão preventiva na enfermaria, sob forte vigilância, porque matou um sujeito. Clousiot e eu discutimos se vamos falar com ele e quando. Enquanto conversamos em voz baixa, aproxima-se um rapazinho de uns dezoito anos, bonito como uma mulher. Chama-se Maturette e foi condenado à morte pelo assassinato de um chofer de táxi e mais tarde agraciado por causa da sua idade: dezessete anos. Eram dois rapazes os acusados, de dezesseis e dezessete anos; no tribunal, em vez de se acusarem reciprocamente, esses dois garotos declararam-se ambos autores do crime. O chofer foi morto por um único tiro. Por essa atitude, na época do cesso, os meninos ganharam a simpatia de todos os condenados.

Maturette, completamente efeminado, aproxima-se e pede um fósforo com uma voz de mulher. Acendo seu cigarro e dou-lhe ainda, de presente, quatro cigarros e uma caixa de fósforos. Agradece com um sorriso insinuante, deixamos que se afaste. De repente, Clousiot diz:

– Papi, estamos salvos. O árabe vai voltar quando a gente quiser e à hora que a gente quiser, está no papo.

– Como?

– É muito simples: pedimos a Maturette que se deixe seduzir por ele Você sabe, os árabes adoram os rapazinhos. Daí a entrar de noite para visitar o menino, é um pulo. Maturette vai fazer onda, dizendo que tem medo de ser visto, e o árabe entrará à hora que for melhor para a gente.

– Deixe comigo.

Vou até Maturette, ele me recebe com um sorriso convidativo. Pensa que me conquistou com o seu primeiro sorriso insinuante. Vou logo dizendo:

– Está enganado, vá até as latrinas.

Chegando lá, começo:

– Se falar uma palavra do que vou dizer, você é um homem morto. Está disposto a fazer isso, isso e isso para ganhar uns cobres? Quanto? Prefere fazer o serviço ou quer ir com a gente?

– Quero ir com vocês, está certo?

Prometido. Apertamos as mãos.

Ele vai deitar-se e, depois de trocar algumas palavras com Clousiot, eu também me deito. De noite, lá pelas 8 horas, Maturette senta na janela. Nem precisa chamar o árabe, ele vem sozinho e começam a conversar em voz baixa. Às 10, Maturette se deita. Nós estamos deitados desde as 9 horas, com um olho aberto. O árabe entra na enfermaria, dá duas voltas, encontra um homem morto. Bate na porta e pouco depois entram dois padioleiros com uma maca e levam o morto. Esse morto vai servir para justificar as rondas do árabe a qualquer hora da noite. No dia seguinte, por sugestão nossa, Maturette marca encontro com ele às 11 da noite. O carcereiro chega na hora, passa pela cama do menino, puxa-o pelos pés para acordá-lo, depois dirige-se para as latrinas. Maturette segue-o. Quinze minutos depois aparece o carcereiro, que vai direto para a porta e sai. Imediatamente, Maturette vai deitar-se na sua cama, sem falar com a gente. Na noite seguinte, é a mesma coisa, desta vez à meia-noite. Tudo está dando certo, o árabe vem à hora que o menino indica.

Dia 27 de novembro de 1933. Dois pés da cama vão ser arrancados para servir de arma. Às 4 da tarde, espero um aviso de Sierra. Chata!, o enfermeiro, chega sem bilhete. Ele diz apenas:

– François Sierra falou para avisar que Jesus vai esperar no lugar que foi previamente combinado. Boa sorte.

Às 8 da noite, Maturette diz ao árabe:

– Venha depois da meia-noite; a essa hora, a gente vai poder ficar junto mais tempo.

O árabe diz que virá depois da meia-noite. À meia-noite em ponto estamos prontos. O árabe entra lá pela meia-noite e quinze, vai direto para a cama de Maturette, puxa os pés dele e segue para as latrinas. Maturette entra com ele. Arranco o pé da minha cama, que faz um pouco de barulho ao cair. Do lado de Clousiot nada se ouve. Tenho que ficar atrás da porta dos banheiros e Clousiot vai-se aproximar para chamar sua atenção. Depois de vinte minutos de espera, tudo acontece muito rápido. O árabe sai dos banheiros e, surpreso de ver Clousiot, diz:

– O que é que você está fazendo aí, de pé no meio da sala a esta hora? Vá dormir.

Na mesma hora leva uma pancada em plena nuca e cai sem um ruído. Rápido, visto suas roupas, calço seus sapatos, arrasto-o para debaixo de uma cama e, antes de escondê-lo completamente, dou-lhe outra pancada na cabeça. É a conta.

Nenhum dos oitenta homens da enfermaria se mexeu. Dirijo-me rapidamente para a porta, seguido de Clousiot e Maturette, vestidos apenas com a camisa, e bato. O vigia abre, eu pego o ferro e tac!, na cabeça dele. O outro, da frente, deixa cair o fuzil, com certeza está dormindo. Antes que reaja, dou-lhe uma pancada. Os meus dois não gritaram, o de Clousiot diz “ha!” antes de desmoronar. Os meus dois ficam sentados em suas cadeiras, o terceiro fica esticado no chão em todo o seu comprimento. A gente prende a respiração. Para nós, todos escutaram esse “há!”. Foi muito alto mesmo e, no entanto, ninguém se mexe. Não os levamos para a sala, partimos com os três fuzis. Clousiot primeiro, o rapazinho no meio e eu atrás, descemos pelas escadas mal iluminadas por uma lanterna. Clousiot largou seu pedaço de ferro, eu tenho o meu na mão esquerda e o fuzil na direita. Embaixo, nada. À nossa volta, a noite está escura como breu. Precisamos olhar bem para enxergar o muro, perto do rio; dirigimo-nos rapidamente para lá. Chegando ao muro, faço escadinha. Clousiot sobe, fica escarranchado, puxa Maturette, depois eu. Escorregamos na escuridão do outro lado do muro. Clousiot cai de mau jeito dentro de um buraco e machuca o pé; eu e Maturette chegamos bem. Levantamos, abandonamos os fuzis antes de saltar. Quando Clousiot vai levantar, não consegue, diz que está com a perna quebrada. Deixo Maturette com Clousiot e corro até o canto do muro, segurando com a mão na parede. Está tão escuro, que não percebo quando chego ao fim do muro, minha mão cai e bato com o queixo. Do lado do rio ouço uma voz que diz:

– São vocês?

– Sim. É Jesus?

– É.

Ele acende um fósforo por um instante. Vejo onde ele está. Entro na água, chego até ele. São dois.

– Suba o primeiro. Quem é?

– Papillon.

– Bom.


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