– Muito bem, Chatal. É preciso ser franco na vida, nunca vou-lhe dizer nada que possa comprometê-lo.

– Assim mesmo, levarei seus bilhetes e tratarei de suas encomendas.

– Obrigado, Chatal.

Nesta noite, ouvimos rajadas de metralhadora. Soubemos, no dia seguinte, que foi o “homem do martelo” que se evadiu. Que Deus o ajude, era um bom amigo. Deve ter surgido uma oportunidade e aproveitou. Tanto melhor para ele.

Quinze anos depois, em 1948, estava eu no Haiti, onde acompanhado por um milionário venezuelano, tinha vindo fazer com o proprietário de um cassino um contrato para explorar o jogo. Uma noite, quando saí de um cabaré, onde bebemos champanha, uma das mulheres que nos acompanha, preta como carvão, mas educada como uma provinciana de boa família francesa, me diz:

– Minha avó, que é mãe-de-santo, vive com um velho francês. É um evadido de Caiena, há vinte anos que está com ela, bebe o tempo todo, chama-se Jules Marteau.

Fico imediatamente bom da bebida;

– Garota, me leve logo, logo para a casa de sua avó.

Em dialeto haitiano, ela fala ao chofer, que toca a toda velocidade. Passamos por um bar noturno brilhante de luzes: “Pare”. Entro no bar e compro uma garrafa de Pernod, duas garrafas de champanha, duas garrafas de rum nacional. “Toca.” Chegamos à beira do mar, diante de uma encantadora casinha branca com telhas vermelhas. A água do mar chega quase à escada. A mulher bate, bate, e sai primeiro uma preta corpulenta, os cabelos branquinhos. Está vestida com uma camisola, que vem até os tornozelos. As duas mulheres falam em dialeto, ela me diz:

– Entre, senhor, esta casa é sua.

Uma lâmpada de carbureto ilumina uma sala muito limpa, cheia de pássaros e peixes.

– O senhor quer ver o Julot? Espere, ele vem aí. Jules, Jules! Tem alguém que quer ver você.

Vestindo um pijama listrado de azul, que me faz lembrar a roupa do degredo, chega um velho descalço.

– E então, Bola de Neve, quem é que vem me ver numa hora dessas? Papillon! Não é possível!

Pega-me os braços e continua falando.

– Chega para cá a lâmpada, Bola de Neve, para que eu veja a cara de meu chapa. Mas é você mesmo, homem! É você, sem dúvida! Então, seja bem-vindo. O barraco, o pouco dinheiro que tenho, a neta de minha mulher, tudo é seu. É só falar.

Bebemos o Pernod, o champanha, o rum e, de vez em quando, Julot canta.

– A gente conseguiu, apesar de tudo, hein, meu chapa? Está vendo, nada como a aventura. Passei pela Colômbia, Panamá, Costa Rica, Jamaica e depois, faz quase vinte anos, vim parar aqui e sou feliz com Bola de Neve, que é a melhor mulher que um homem pode encontrar. Quando vai embora? Demora aqui muito tempo?

– Não, uma semana.

– Que veio fazer?

– Explorar o jogo do cassino, assinei um contrato diretamente com o proprietário.

– Meu chapa, gostaria que você ficasse toda a vida junto comigo, nesta terra miserável de carvoeiros, mas se você fez contrato com o proprietário não deve ficar vivendo perto dele, o cara mandará assassinar você, quando souber que o seu business vai bem.

– Obrigado pelo conselho.

– Você, Bola de Neve, prepare a festa de candomblé não para turista. Um candomblé de verdade para o meu amigo!

Em outra ocasião, contarei para vocês o que foi este famoso candomblé “não para turista”.

Portanto, Julot se evadiu e eu, Dega e Fernández continuamos na expectativa. De tempos em tempos, olho, como quem não quer nada, as grades das janelas. São verdadeiros trilhos de estrada de ferro, não dá pé. Resta, agora, a porta. Dia e noite, três vigilantes armados estão ali de guarda. Depois da evasão de Julot, a vigilância se acentuou. As rondas se sucedem mais próximas umas das outras, o médico é menos amável. Chata! só vem duas vezes por dia à sala, para as injeções e para tirar a temperatura. Passa uma segunda semana, pago, mais uma vez, 200 francos. Dega fala de tudo, menos de evasão. Ontem viu meu bisturi e me disse:

– Continua com isso? Por quê?

Respondi, de mau humor:

– Para defender minha pele e a sua, se for necessário.

Fernández não é espanhol, é argentino. É homem mesmo, um verdadeiro aventureiro, mas também ficou impressionado pela conversa mole do velho Carora. Um dia ouço ele dizer a Dega:

– Parece que nas ilhas é muito sadio, não é como aqui e não faz calor. Nesta sala, a gente pode apanhar ameba, é só ir à privada para pegar os micróbios.

Todos os dias, um ou dois homens, nesta sala de setenta, morrem de disenteria. Coisa curiosa a notar, todos morrem na maré vazante da tarde ou da noite. Nunca ninguém morre de manhã. Por quê? Mistério da natureza.

Nesta noite, tive uma discussão com Dega. Eu lhe disse que, às vezes, de noite, o guarda-chaves árabe comete a imprudência de entrar na sala e de levantar os lençóis dos doentes mais graves, que têm o rosto coberto. A gente poderia dar uma pancada nele e se vestir com sua roupa (estamos todos só de camisa e sandália). Uma vez vestido, saio e arranco de surpresa um mosquetão de um dos guardas, aponto para os outros e os faço entrar na cela, cuja porta fecho. A seguir, a gente salta o muro do hospital do lado do Maroni, cai na água e deixa que a corrente nos carregue, à deriva. Depois, veremos. Como a gente tem dinheiro, compra um barco e comida para partir pelo mar. Ambos recusam categoricamente este projeto e até o criticam. Sinto, então, que eles estão de crista caída, fico muito decepcionado e os dias passam.

Já há três semanas menos dois dias que a gente está aqui. Só restam de dez a quinze dias, no máximo, para tentar a fuga. Hoje, dia memorável, 21 de novembro de 1933, entra na sala Joanes Clousiot, o homem que tentaram assassinar em Saint-Martin, no barbeiro. Tem as vistas fechadas e está quase cego, os olhos cheios de pus. Depois que Chatal se retira, vou para perto dele. Rapidamente, ele me diz que os outros internados partiram para as ilhas há mais de quinze dias, porém que se esqueceram dele. Há três dias, um administrador o avisou. Ele botou um grão de mamona nos olhos e, com os olhos purulentos, pode vir para o hospital. Está seco para cair fora. Diz que está pronto para tudo, mesmo para matar, se for preciso, mas quer fugir. Tem 3 000 francos. Os olhos são lavados com água quente e logo ele pode ver melhor. Eu lhe explico meu plano para a evasão, ele acha bom, mas diz que, para surpreender os vigilantes, é preciso sair em dois, se possível em três. A gente poderia desmontar as pernas da cama e, cada um com uma perna de ferro na mão, cair em cima dos guardas. Na sua opinião, mesmo que tenhamos um mosquetão na mão, eles não acreditarão que vamos atirar e podem chamar os guardas de serviço no outro pavilhão, de onde Julot escapou e que fica a menos de 20 metros.

3 PRIMEIRA EVASÃO

A EVASÃO DO HOSPITAL

Hoje à noite discuti com Dega e Fernández. Dega diz que não confia no plano, que paga um bom dinheiro, se for preciso, para sair da cadeia. Pede para eu escrever a Sierra a respeito dessa possibilidade. No mesmo dia, Chatal traz o bilhete e a resposta: “Não pague nada a ninguém para sair. São ordens que vêm da França, e ninguém, nem o diretor da penitenciária, pode nos soltar. Se vocês estão desesperados no hospital, tentem sair um dia depois que o navio chamado Mana zarpar para as ilhas”.

Vamos ficar oito dias nas celas, antes de ir para as ilhas, e talvez para fugir seja melhor do que da enfermaria onde nos colocaram, no hospital. No mesmo bilhete, Sierra diz ainda que, se eu concordar, vai mandar um condenado liberto falar comigo, para deixar o barco atrás do hospital. É um sujeito de Toulon, de nome Jesus; foi ele quem preparou a fuga do Dr. Bougrat dois anos atrás. Para encontrá-lo tenho que tirar uma radiografia num pavilhão que tem equipamento especial. O pavilhão fica dentro do recinto do hospital, mas os condenados em liberdade podem ser admitidos com uma autorização falsificada, para tirar uma radiografia. Ele diz para eu tirar o canudo antes de ir para a radiografia, porque o médico pode vê-la, se olhar mais abaixo do pulmão. Mando um recado a Sierra, pedindo para mandar Jesus à radiografia e combinar com Chatal para eu ser mandado lá também. Na mesma noite, Sierra avisa que vai ser depois de amanhã, às 9 horas.


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